O espetáculo dos ipês brancos em Brasília
Enquanto a seca castiga os habitantes de Brasília, o vibrante colorido dos ipês oferece conforto aos que transitam pelas quadras e avenidas do Plano Piloto e outras áreas da cidade do Distrito Federal. Essas árvores são elementos essenciais da identidade do Distrito Federal e geram debates apaixonados sobre qual floração é a mais bela. Para aqueles que preferem a flor branca, é hora de desfrutar dela.
Quem mora em Brasília sabe: o período da seca é sinônimo de lábios rachados, nariz sangrando e... ipês floridos. As diferentes cores dessa árvore se intercalam para enfeitar os eixos e tesourinhas da capital. E há quem diga até que uma dessas cores, a branca, traz consigo a mensagem mais esperada pelos brasilienses nesta época do ano: a de que a chuva está voltando. Será mesmo?
De onde vem o mito de que o ipê-branco anuncia o fim da seca? A explicação pode estar no calendário de floradas. Os roxos costumam chegar em abril ou maio. Em seguida, vêm os amarelos — que estamos vendo agora —, os rosas e, por fim, os brancos. O último ato do espetáculo dos ipês, que costuma ocorrer no fim de setembro, por vezes coincide com a entrada das primeiras chuvas em cena.
Assim, todo ano, no final do período de estiagem do Distrito Federal, o ipê branco começa a enfeitar as ruas de Brasília. A espécie, considerada símbolo da cidade, encanta moradores da capital e turistas nesta época do ano.
No Distrito Federal existem mais de 600 mil ipês plantados, entre árvores de porte maior e mudas acima de dois metros. Há ipês roxos, amarelos, rosas, brancos e verdes. As cores obedecem a uma ordem de floração em cada época do ano (veja mais abaixo).
Somente no Plano Piloto são aproximadamente 25 mil exemplares da espécie. A Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap) é responsável pelo plantio da espécie nas áreas verdes das quadras e ao longo das vias como a W3, o Eixo Monumental e a L4, existindo maior concentração nos Eixos Norte/Sul.
Sua flor além de exuberante é utilizada na culinária, pois ela é comestível. São consumidas as pétalas, depois de retirado o cálice em receitas de refogados, empanadas e saladas cruas.
O Ipê tem propriedades medicinais, através do chá da casca o ipê é usado também no alívio das dores musculares, nos problemas menstruais e ginecológicos, no mal de Parkinson, no controle da diabetes e no combate à anemia.
De forma geral os ipês ocorrem principalmente em florestas tropicais, mas também podem aparecem de forma exuberante no Cerrado e na Caatinga
Cores
O primeiro que aparece é sempre o ipê roxo. Esta espécie costuma ter a floração entre maio e agosto e, dependendo do frio e da estiagem, pode surgir em meses anteriores com a folhagem despida. Por ter a chance de florescer mais de uma vez na mesma estação, as flores podem coexistir com as folhas velhas. Neste caso, se houver nova floração, ela apresenta menor intensidade e fica limitada a poucos galhos.
Em seguida, é a vez do amarelo. Sua floração acontece entre julho e setembro e é uma das cores mais apreciadas pela população. A espécie pode florir mais de uma vez na estação, com intervalo entre 10-15 dias. De setembro a novembro, os frutos amadurecem, com o surgimento de novas folhas. Já o ipê-amarelo peludo, começa a florescer no período entre agosto e outubro.
O ipê branco começa a enfeitar as ruas entre agosto e dezembro. A mesma planta pode ter entre duas ou três florações seguidas, na mesma estação. Porém, só uma delas é de maior intensidade.
De acordo com o biólogo e professor do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Stefano Aires, a cor branca é a penúltima florada. “As flores brancas florescem no final da seca, quando as sementes são dispersas pelo vento. É uma época que venta bastante, as sementes ficam no chão tempo suficiente para iniciar a estação chuvosa, e depois germinarem. É uma estratégia de sobrevivência da espécie”, ressalta.
Há quem diga que a florada branca anuncia a chegada da chuva, mas a relação não é tão simples e pode estar mais ligada a uma coincidência de “calendário”, conforme explica Stefano. “A cor da flor está relacionada ao tipo de polinizador. Os ipês são polinizados majoritariamente por abelhas, mas eles também têm autofecundação, ou seja, a própria flor pode se polinizar. Então, se você está mais perto da estação chuvosa, tecnicamente, teria mais polinizadores por conta dos recursos disponíveis. Mas como não começou a chover em abundância, não dá para fazer essa relação”, pontua. E a previsão, segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) é que não chova tão cedo na capital federal. O meteorologista Cleber Souza explica que não há previsão de chuva para os próximos sete dias.
Apesar da incerteza da chuva, a floração branca, que dura de cinco a sete dias, encanta os brasilienses. A publicitária Rafaela Moreira Barreto, 26, mora no Sudoeste desde abril e acompanhou a florada branca de perto. Próximo à sua residência, um corredor de ipês-brancos disputa atenção, e Rafaela faz questão de admirar a todos. Ela conta que sai todos os dias para passear com seu cachorro, e sempre aproveita a oportunidade para fazer uma nova foto dos ipês. Isso porque a planta é a sua favorita. “Eu não sabia que aqui tinha ipês. Descobri quando me mudei. Foi uma bela surpresa”, destaca.
O favoritismo se justifica pelo simbolismo da árvore. “O ipê floresce na seca, pior momento para todas as plantas. Passa o ano inteiro quietinho na chuva e, na seca, floresce, dando cor ao ambiente árido. Eles florescem nas piores situações, sugere um significado diferente para os momentos de dificuldade”, diz Rafaela. Para ela, o ipê-amarelo ocupa o primeiro lugar em seu coração, mas o branco não está muito atrás: “Todos eles me trazem alegria”, garante.
Professor de ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Bessa explica que a floração na seca se dá pela melhor adequação da planta. “Fisiologicamente a estratégia reprodutiva dos ipês é se reproduzir durante a seca. Parece um contrassenso se reproduzir numa época em que existe um desafio fisiológico, mas a planta adulta e as sementes resistem melhor à seca do que as plantas jovenzinhas. Por isso a floração do ipê é típica do período”, pontua.
Os desafios fisiológicos enfrentados durante a seca são o que fazem do ipê, uma planta de extrema importância para o bioma do cerrado. “Essa floração é extremamente importante, porque chega num momento de escassez de recursos. Animais polinizadores, como as abelhas que visitam as flores dos ipês, e pilhadores de néctar, como os periquitos, estão num momento da seca em que não há muitas alternativas de alimento para eles. Ter uma floração abundante, ainda que efêmera, como a dos ipês, garante um sustento nutricional a muitas espécies”, ressalta Eduardo.
Para quem é fã da natureza, a paisagem branca é de encher os olhos. As irmãs Tatiane Cássia Silva Galho, 39, arquiteta, e a fisioterapeuta Elisangela Cristina de Souza, 40, passaram a tarde fotografando as árvores. Foi na 211 Norte que elas encontraram um corredor dessas árvores. Mineiras, elas contam que moravam em Belo Horizonte antes de se mudarem para Brasília, e lá tinham o costume de ver ipês-roxos, amarelos e rosas. Mas foi na capital federal que conheceram a cor branca. “Em Minas tem muita árvore florida, mas o ipê não é tão valorizado como aqui. Foi em Brasília, que começamos a ver o ipê de forma diferente. Aqui, essas flores são ainda mais especiais”, ressalta Tatiane.